Eu nunca tive Burnout, mas…
Tive a oportunidade de participar do Global Design Forum, que acontece durante a semana de design de Londres nos últimos dois anos. E um tema em especial que me fez ficar várias noites em claro literalmente consumindo todo tipo de conteúdo relacionado foi o “Design Transdisciplinar” que foi inicialmente discutido em três painéis em 2023 e cinco painéis em 2024. Nesse último consegui assistir apenas um…
E o que me deixou mais interessado pelo assunto, além da subjetividade do termo escolhido, foi a obviedade do tema. Que no meu entendimento raso feito um pires, foi exposto como uma falha brutal e grotesca sobre como nós ocidentais fomos condicionados a formar nosso pensamento. (Digo ocidentais pois meu conhecimento da cultura oriental realmente é bem limitado.)
Minha experiência na escola não deve ter sido muito diferente da maioria das pessoas que conheço, fui educado para passar nas provas e esse era o grande objetivo. Tirar notas boas e passar de ano! Desenvolvimento de pensamento crítico realmente foi algo que, ao menos pra mim, passou desconhecido. Quando entrei na faculdade, hoje percebo, tive uma educação modernista quase que pré revolução industrial onde os estudantes aspirantes a arquitetos deveriam iniciar um caminho de intensa e profunda especialização na área. Existia um esteriotipo de estudante de arquitetura que eu segui a risca. Muito papel, desenhos a mão, estética, geometria, história da arte, história da arquitetura, muita teoria de tudo, física, matemática, conhecimento em resistência e aplicações de diferentes materiais, cálculos e mais cálculos para que todos tivessem muita certeza de que o cazébre ou o edifício seria adequado e seguro.
Não diferente de outras profissões, o termo “especialização” era sempre evidente escancarado e uma regra! A ponto de fulano não se meter na “área” de sicrano. Isso me incomodou ao ponto de mudar de cidade. (Não vou entrar em detalhes dos comos e porquês…) Mas fiz a mim mesmo a promessa de que “Quando estiver na cidade grande, vou querer trabalhar em todas as áreas que conseguir!” E assim o fiz, bem Poliana sonhadora.
Essa mentalidade em que fui condicionado, foi cada vez mais se chocando com a realidade. A internet, o acesso a informação, minhas experiências profissionais foram alimentando em mim esse desejo e vontade de saber sempre qual a coisa nova que posso descobrir ali e acolá. Descobrir o novo sempre foi mais interessante do que passar a vida indo cada vez mais fundo em um único assunto, essa idéia me fez dar de cara com a realidade pós-moderna que vivemos e até hoje me arrepia.
Na minha insignificante e pequena humilde opiniãozinha de m**da e nas minhas perambulações filosóficas solitárias noite a dentro, cada vez mais tenho a certeza que nós, seres humanos pensantes ocidentais, nos especializamos tanto, fomos tão fundo no entendimento de nossas áreas de estudo que a nossa realidade se desintegrou. Somos quase que como colchas de retalho, com pedaços de opiniões sobre isso e aquilo, tenho certeza que filósofos de verdade já estão bem a frente desse pensamento e já não tenho certeza como formei essa ideia. Mas é como se fossemos um boneco avatar onde as redes sociais, mas não só elas, nos fizeram cair em realidades repartidas. Escolhemos pedaços de assuntos que nos interessam e o algoritmo do dia define o que gostamos de ver, a opinião que queremos saber, estamos cada vez mais soterrados em nossas bolhas com conviccões pessoais profundas e menos paciência para descobrir o novo.
Ouvi em algum vídeo muito longo no youtube que: “Cada indivíduo vive no seu microcosmo fractal, fascinado com o infinito que existe em si.” e isso me deixou paralizado. Porque é verdade.
Nossa obsessão pela especialização nos trouxe até aqui. O que é ótimo e foi necessário, mas a que custo?
Fora de nossas bolhas somos aliens, seres de outro planeta que de alguma maneira tem que encontrar um jeito de conviver entre si. E olha, estamos falhando miserávelmente.
A Obviedade do Design Transdisciplinar é tão evidente que falar para pessoas “olha só! mesmo você não sendo sapateiro, você pode aprender alguma coisa sobre sapatos para identificar qual tipo de piso usar em um lugar que todos usam salto alto!” ou “mesmo sendo psicólogo, você pode estudar um pouco de economia para tratar seus pacientes que são todos desse mundo e entender um pouco melhor suas dores…” parece uma piada. Mas é verdade.
Wouter Haspeslagh, Mestre em Design Transdisciplinar do Istituto Europeo de Design do Reino Unido levou uma citação ao Fórum que eu consegui gravar pra sempre: “Transformar uma ideia em realidade parece pouco, ela muda de pensamento para matéria. A imaginação não tem limites, o mundo físico tem. Mas o valor (o trabalho), existe nos dois.”
O Sentido disso tudo, é fazer com que nós possamos abrir os olhos para o que está ao redor, que não nos fechemos nas nossas especializações pois isso acaba nos alienando da realidade e nos desconectando da vida em sociedade.
Se dentro do universo existem as galáxias, dentro das galáxias existe a via láctea, onde existe o planeta Terra, onde existem os humanos, que possuem cérebros com milhões de neurônios e sentimentos e tudo isso está interligado, conectado. Faz sentido passar a vida se perguntando se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha?
Os dois sempre estiveram ali, simultaneamente coexistindo.